
Conforme analisámos na Revista Gerente (ano 17, nº15, pág. 1), um recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (nº7/2025) estabelece que as Finanças não podem cobrar IRS sobre as mais-valias da venda de uma parte da herança, ou seja, o que se chama tecnicamente de “quinhão hereditário”. Ora, a grande novidade consiste numa instrução administrativa interna das Finanças, divulgada recentemente, que admite a devolução dos valores pagos em excesso pelos contribuintes. A quem se aplica? Como proceder?
Herança indivisa com imóveis
Em primeiro lugar, é importante salientar o que é uma “herança indivisa” e um “quinhão hereditário”. Assim, quando há um falecimento, se ainda não decorreram as partilhas, a herança designa-se como indivisa, pois os bens ainda não foram repartidos pelos vários herdeiros. Nessa altura, cada um tem direito a uma parcela, um quinhão dessa herança, que se designa por “quinhão hereditário”.
Qual era o entendimento das Finanças?
Até agora, quando um herdeiro vendia o seu quinhão e a herança incluísse imóveis, para as Finanças, as mais-valias obtidas deviam ser tributadas como as mais-valias decorrentes da venda de imóveis. Assim, como o valor de aquisição é geralmente o Valor Patrimonial Tributário (aquele que consta nas Finanças), o valor do IRS acabava por ser bastante significativo.
Da Arbitragem Tributária até ao Supremo
Este tema foi objeto de várias decisões da Arbitragem Tributária, algumas delas a favor dos contribuintes. Contudo, só com o acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é que a situação ficou resolvida. Assim, este acórdão explica que não é possível haver tributação em sede de IRS sobre as mais-valias decorrentes da venda de um quinhão hereditário, uma vez que não há venda de um bem em concreto, mas apenas de uma parte de uma herança, ou seja, um direito que poderá resultar, eventualmente na partilha de um bem.
E se só houver um imóvel na herança?
Também já foi analisado na Revista Gerente
Porém, no passado as Finanças já argumentaram contra esta interpretação quando a herança apenas tem um imóvel. Este cenário também foi analisado na Revista Gerente (ano 17, nº1, pág. 7), tendo sido dada razão ao contribuinte, o qual poupou 4 mil euros de IRS. Nessa altura, mesmo antes da nova jurisprudência do STA, já os tribunais consideravam que a venda de um quinhão hereditário nunca podia ser equiparada à venda de direitos reais de um imóvel, mesmo que a herança só tivesse como único bem um imóvel.
Como pedir o reembolso? Será que vale a pena?
Caso se verifique uma situação deste tipo, o contribuinte tem 4 anos após a liquidação para pedir o reembolso, ou seja, este acórdão vale em retroativo.
Para tal, o contribuinte poderá submeter uma reclamação graciosa (ou revisão oficiosa) junto das Finanças, anexando a nota de liquidação e o respetivo comprovativo de pagamento. Refira-se que não é preciso ter advogado para realizar esta reclamação, podendo a mesma ser realizada pelo próprio contribuinte ou pelo seu Contabilista Certificado.
Bastonária revelou instrução interna da AT para aceitar reclamações
Conforme revelou recentemente a Bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados em entrevista à imprensa, já foi vista uma instrução administrativa interna das Finanças, a qual orienta para aceitar reclamações graciosas acerca deste assunto.
Contudo, Paula Franco, alertou para este reembolso pela AT apenas se aplicar a situações exatamente iguais, ou seja, a venda de um quinhão hereditário e não, por exemplo, a venda de toda a herança indivisa.
Tal como no ISV dos carros importados, no fim ganhou o contribuinte
Deste modo, em muitas situações, os contribuintes vão conseguir recuperar vários milhares de euros de IRS sobre estas mais-valias. Destacamos o facto de tal como aconteceu com o ISV dos carros importados, neste caso dos quinhões hereditários, tudo ter começado com várias decisões a favor dos contribuintes na Arbitragem Tributária, um sistema mais barato e rápido do que os tribunais comuns.
É por isso que analisamos em quase todos os números da Revista Gerente as sentenças da Arbitragem Tributária, pois, mesmo que a decisão no imediato não seja lei, pode vir a sê-lo em poucos meses, como se verificou neste caso.

