Empresário do futebol acusado: O que está em causa?

Há poucos dias, foi noticiado por órgãos de comunicação social que um conhecido empresário de futebol foi acusado pelo Ministério Público do crime de fraude fiscal qualificada. Para além do empresário e da sua mulher, também o seu advogado foi acusado, num processo em que as autoridades afirmam que o Estado foi lesado em 18 milhões de euros. Tratando-se de um processo de grande envergadura neste domínio, importa realizar uma análise mais técnica dos factos que foram sendo divulgados.

Quando há fraude fiscal e quais as penas?

No RGIT (Regime Geral das Infrações Tributárias) existem 3 crimes fiscais que possuem enquadramentos distintos consoante os valores e as ações em causa:

  • Abuso de confiança = Vantagem igual ou superior a €7.500 = Até 3 anos de prisão ou multa até 360 dias; Vantagem igual ou superior a €50.000 = 1 a 5 anos de prisão ou multa de 240 a 1200 dias para pessoas coletivas
  • Fraude fiscal = Vantagem igual ou superior a €15.000 = Até 3 anos de prisão ou multa até 360 dias;
  • Fraude fiscal qualificada = Vantagem igual ou superior a €50.000 = 1 a 5 anos de prisão para pessoas singulares ou multa de 240 a 1200 dias para pessoas coletivas (também se aplica para montantes inferior se houver documentos relativos a operações inexistentes – por ex., faturas falsas); Vantagem igual ou superior a €200.000 = 2 a 8 anos de prisão para pessoas singulares ou multa de 480 a 1920 dias para pessoas coletivas.

Enquanto que no crime de abuso de confiança basta não cumprir o pagamento do IVA ou das retenções na fonte de IRS/IRC, no caso dos crimes de fraude fiscal e fraude fiscal qualificada é necessário haver outros factos como a deturpação da contabilidade, a ocultação de valores ou a existência de negócios simulados. Ora, é justamente esta última questão que o Ministério Público levanta neste caso.

Doou metade da empresa à mulher e depois recomprou-a?

De acordo com as notícias vindas a lume, o empresário terá doado 50% das quotas de uma das suas empresas à mulher para salvaguardar a sua posição, caso alguma coisa lhe acontecesse. Refira-se que o casamento é no regime de separação de bens, pelo que não há dúvidas na sua legalidade, pois ambos têm esferas patrimoniais diferentes.

Contudo, é o passo seguinte que gerou toda a investigação. Essa sociedade, já com 50% em nome da mulher terá sido, depois, adquirida por outra empresa ligada ao empresário. Na prática, segundo o Ministério Público, no fim do negócio, o empresário manteve-se como o beneficiário efetivo da empresa, mas uma grande poupança fiscal de 18 milhões de euros.

Negócio simulado ou negócio real?
Empresário rejeita acusações mas vai pagar

Assim, no entender do Ministério Público, haveria um negócio simulado de doação e venda, quando na prática, no fim, o último proprietário é o mesmo. Já o empresário rejeita estas acusações, começando por referir que o negócio já tinha sido investigado há 11 anos atrás pelas Finanças. O mesmo salienta que, só agora, surge a referida acusação, sem que tenha havido um pedido de pagamento de impostos nesse período. Com efeito, o processo agora noticiado fala de uma indemnização dos referidos 18 milhões de euros e não de um imposto específico em causa. Finalmente, o empresário indica que, apesar de se considerar inocente, vai pagar o montante indicado, esperando reavê-lo no fim do processo.

Aplica-se a cláusula geral anti-abuso?

Para poder pedir a referida indemnização, é necessário que estejam reunidas as condições da chamada “cláusula geral anti-abuso”. O que é? Como funciona?
Para evitar situações de evasão fiscal (neste caso, tecnicamente chamada de elisão fiscal), a Lei Geral Tributária (LGT) possui um artigo que estabelece que uma construção, ou seja, um conjunto de negócios com várias etapas realizadas com a finalidade principal de pagar menos impostos, será desconsiderada, devendo o contribuinte pagar os impostos que seriam devidos normalmente sem essa construção.
O mesmo artigo da LGT refere que esta cláusula aplica-se quando haja negócios que não têm substância económica.

Desfecho importante para empresas com 2 sócios marido e mulher

Assim, caberá agora à justiça apreciar este caso para verificar se há, ou não, “substância económica” na doação à esposa e depois venda a outra sociedade, ou seja estas transações tiveram apenas o objetivo principal de poupar nos impostos. Trata-se de um caso que iremos acompanhar, pois são frequentes no nosso país as empresas em que há um casal de sócios, pelo que é extremamente relevante conhecer o desfecho deste caso.